quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Ser estrangeiro




Hoje fui comprar uns óculos novos. Fiquei 1 hora e meia na ótica, experimentando, olhando, escolhendo e pude compreender algumas coisas no modo que os montrealenses têm de se relacionar com as pessoas e, sobretudo, pude entender muitos dos meus incômodos e inquietações. A mocinha começou a me mostrar os óculos e, de repente, sumiu. Lá fiquei eu, tira bota óculos, e ela nada. De repente ela chegou perto e me perguntou se eu precisava de ajuda, eu disse que não, que estava escolhendo. Depois de ter separado uns 8 pares de óculos, então sentei na mesa com ela e comecei a colocar cada um e ela, uma jovem muito decidida e firme, me dizia este sim, este não, este fecha seu semblante, este é mais moderno etc. Ao mesmo tempo, me contava casos do namorado (que eu absolutamente não entendi, acho que ele perdeu uns óculos Armani, mas fiz que entendi e lamentei profundamente). Foi quando me lembrei de outras lojas em que entrei e em que a vendedora tb me deixou sozinha olhando um produto, exatamente quando eu achava que ela estava no meio do atendimento à minha ilustre pessoa, e eu achei aquilo uma falta de gentileza, saí da loja danada da vida (numa dessas lojas cheguei a ouvir a pobre vendedora falando alto enquanto eu saía, madame, escolheu, madame???). Ainda na ótica, veio o gerente para ver se podia fazer um desconto, não podia, dividir tb não podia, pq ele precisava de "garantia" e eu não era daqui. Depois então de eu dizer que tudo bem, eu pagaria mesmo à vista, ele me perguntou se eu sabia que teria de deixar 25% do pagamento naquele momento e o resto pagaria quando viesse buscar os óculos. E ele faz a pergunta fatídica: a senhora está pronta para isso? Eu me senti ofendidíssima e respondi, meio arrogantemente, exibindo meu cartão platina ou sei lá o quê: monsieur, vou pagar à vista no cartão de crédito, não posso? Ele pediu mil desculpas, só dizia "claro, madame, bien sûr, madame" e eu, ainda ofendida, comecei a me dar conta de que ele estava apenas sendo gentil, me avisando do quanto eu teria que pagar, não estava desconfiando que eu não tinha dinheiro, não estava me achando subdesenvolvida, pobre, nem troncha. Eu é que estava me sentindo assim! E esse sentimento interno vem para fora nas reações, na maneira como vc olha e encara o outro... Tudo isso estou contando aqui, digamos, abrindo um pouco mais a minha alma, porque acho que é alguma coisa que muitos de nós, brasileiros, devemos sentir no exterior, um sentimento de inferioridade pátrio, uma sensação de que estamos sempre sob desconfiança. Daí vem tb a minha dificuldade de articular bem o francês, de falar sem bloqueios. Fui percebendo ali, na ótica, vivendo uma situação banal, que é preciso inverter um pouco esse movimento de dentro para fora e deixar um pouco do fora entrar dentro da gente. É verdade que alguns textos que andei lendo para entender a antropofagia, de que falo na próxima sexta, me ajudaram a pensar assim. E é pensando assim que observo os imigrantes, aqueles que vêm de longe, sem nada a não ser a expectativa de recomeçar, de criar uma vida melhor, em geral, para os filhos. O motorista de táxi me contou que veio do Líbano com um doutorado em engenharia e tudo o que conquistou foi um táxi. E quando eu lhe perguntei se gostaria de voltar para o Líbano, onde ele dizia não ter condições de viver quando partiu de lá, ele me disse: hoje à noite, madame, não esperaria nem amanhecer o dia, se pudesse. Mas completou: mas aqui, onde já estou há 15 anos, meus filhos têm uma vida melhor, estão estudando, vão conseguir alguma coisa. E é por isso que hoje as duas fotos falam dessa cidade de um modo diferente, menos turístico: a fila das crianças entrando no ônibus escolar mostra justamente essa esperança que vi nos rostos dos pais e mães árabes, muçulmanos, africanos, haitianos, que acompanhavam seus filhos e os olhavam orgulhosos, a caminho da escola. A outra foto tirei na rue Sainte Catherine hoje depois da ida à ótica e mostra a torre da igreja antiga e o prédio moderníssimo, a loja feia, as árvores de rua e o edifício bonito, tudo aquilo que, misturado, faz de Montréal essa cidade charmosa, interessante, difícil de entender, divertida, chata, linda e inquietante.

2 comentários:

  1. Nossa!!Lucinha, tudo tão bem contadinho que por um momento estive também na loja que você comprou o ócculos!Engraçado que todo o estrangeiro que conheci por aqui quer voltar e, adorou o sol, a praia e as pessõas.Não entendi muito o complexo de inferioridade....... acho mesmo que não tem muito a ver... No mais parabéns por está nos contando de uma maneira tão assim bem escrita sua viagem.Só voltarei na terça feira, muitos beijos e saudades Mamãe.

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  2. hahahahhhahahhahahha poooobre Malukinha brasileirinha do 3o mundo! hahahhahahaha
    vc tem q andar sempre aí de cabeça erguida por ser brasileira, pois nós somos um povo batalhador e persistente, quem é brasileiro não desiste nunca e a nossa união subdesenvolvida é o que nos dá garra e força para seguir nessa constante luta pela sobrevivência que existe nesse nosso país do sertão...

    hahahahahahha TE AMOOOOOOO

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