Vcs conhecem aquela piada do mineiro que chega muito cedo na estação e perde a hora do trem porque fica proseando? Pois eu hoje fiz parecido, só que sem prosa. Cheguei muito cedo na estação em Montréal e imediatamente sentei e comecei a ler um livro, pronto, quando vi, a fila para entrar no trem já estava enorme e não consegui pegar uma janelinha (essa viagem de ida não tem lugar marcado), ah, mas fiquei chateada com isso! Olha só como os livros às vezes atrapalham... Sentei ao lado de uma québecoise bem simpática, jovem, que dormiu metade da viagem e eu ali, esticando o pescoço pra ver a paisagem, aliás muito bonita, aqueles planos, fazendas, a sensação de espaço, de imensidão do espaço que se tem sempre aqui no Canadá. Entremeando essa enorme planície, pequenas cidades, o interior do país, aquelas cenas de filme, com uma casa de madeira, um caminhão velho ao lado e muitas quinquilharias no quintal. Num certo ponto da viagem o trem começa a contornar o lago Ontario, é muito bonito! A viagem não tem o charme dos trens franceses, para dizer a verdade, mas foi boa. Cheguei a Toronto por volta das 3 e meia e vim a pé para o meu hotel, o Hotel Victoria, que é ótimo, super bem localizado, ótimo quarto. Saí para dar uma volta e comer. Achei aqui na esquina um restaurante muito charmoso, igual a um que conheci, com as meninas, em Amsterdam. É um restaurante arrumado como um mercado, vc anda pelas seções e escolhe o que quer comer, saladas, massas, comida thai (que foi a que escolhi), peixes, carnes, doces, sucos, pães, uma coisa... Comi bem, mas achei muito caro, tudo aqui é meio caro. Dali comecei a caminhar e fui até a famosa torre que tem a vista mais completa não só da cidade mas da paisagem em volta, dizem que em dias claros se veem até as Rochosas! Cheguei lá e um indiano simpático me explicou que a parte mais alta estava fechada, relutei, achei que não valia a pena, mas resolvi ir assim mesmo, e então o rapaz falou: olha, mas a parte externa dessa parte mais baixa tb está fechada. Ah, bom, aí é que desisti mesmo, pq, por 31 dólares, não vou subir pela metade e ainda ver por trás de um vidro a paisagem! Vamos ver se amanhã o tempo ajuda. Estava um dia até bonito, vcs podem ver nas fotos, a foto da torre eu ponho aqui não porque esteja muito boa, mas pq achei lindo o céu! De lá saí caminhando, vi uma torre de relógio e fui até lá, era a velha prefeitura, um prédio muito bonito e imponente. Na foto vcs podem ver exatamente a hora em que cheguei lá. Reparem, nas fotos dos arranha-céus, que lindas as luminárias de rua, em movimento de pêndulo! Acabei entrando num shopping enorme, mas enorme mesmo, bonito, dizem que ali vc encontra qq produto vendido no mundo (mas há exagero nisso...). Dei umas olhadas, meio perdida, meio cansada... Saí do shopping e já estava na rua do hotel, vim caminhando e, claro, tomei a direção errada, subi a rua em vez de descer. Quando estava no número 364 é que me dei conta de que estava subindo e meu hotel era no número 56! Lá voltei eu. É impressionante o meu senso de direção torto! Toronto é uma cidade grande, com prédios enormes, muito vidro, muito aço, luzes, outdoors piscando, muita gente na rua, animada, cosmopolita, vc vê gente de todo tipo. Hoje então estava uma graça andar por aí, pq tinha muita gente fantasiada por causa do Halloween, nas lojas os vendedores estavam todos fantasiados, nas mesas do restaurante, era engraçadíssimo ver aqueles senhores carecas, com aspecto sério, de sainha, rabinho, roupa bem maluca mesmo! A cidade tem charme, aguardem as novidades de amanhã...
sábado, 31 de outubro de 2009
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
Noite das bruxas
Andei me queixando aqui da falta de companhia para sair à noite... pois hoje ganhei uma ótima companhia, minha amiga Kelley, uma gaúcha super bacana que está aqui fazendo um estágio de doutorado. Kelley vai dar continuidade ao meu curso quando eu for. Aliás, a aula de hoje foi bem boa, fiquei muito contente de ver como os meninos gostaram da poesia do Drummond e como foram capazes de apreciar os autorretratos de Guignard e as gravuras lindas do Goeldi. Eles gostaram, comentaram, falaram coisas tão interessantes e pertinentes! Agora é que acho que o curso começou a engrenar, mas felizmente só me faltam 2 aulas e, na próxima, vou passar o filme São Bernardo, então não terei tanto trabalho... mas na aula seguinte vai ter Guimarães Rosa e Vinicius, vai ser dura minha última semana aqui!
Mas eu ia contar era da noite. Nova tb passou por aqui hoje e saímos então as três, andando pela minha rua, esse adorável, divertido e simpático Boulevard Saint Laurent, que ficará para sempre em minha memória, com seus tipos variados, suas lojas que tanto podem ser chiques e sofisticadas quanto baratas e bagulhosas, suas variadas nacionalidades nos mercados e restaurantes. Paramos numa loja de fantasias (vejam entre duas fantasias a carinha da Nova...), para tirar fotos, hoje a cidade está cheia de gente fantasiada, desde cedo, mas agora à noite está bem divertido de ver: um frio danado e o pessoal na rua, fantasiado de bruxinha, de diabinho, de bailarina, até uma fantasia de banana nós vimos! Depois Kelley e eu fomos a um lugar muito famoso aqui, sempre com fila na porta, o Schwartz's, uma charcuterie hebraica de 80 anos de tradição. um pé sujo desses em que a gente não entraria aí... Comemos o tal sanduíche de carne "fumé", delicioso! Coisa levinha pra essa hora da noite... Fomos atendidas por um garçom português, que tirou nossa foto, muito gentilmente, sem que incomodássemos um jovem casalzinho chinês sentado a nosso lado, que continuava a comer, enquanto discutia uns exercícios de matemática (a juventude é boa até pra isso, né, gente? sexta à noite, comendo sanduíche no Schwartz e estudando matemática ao mesmo tempo, achando tudo ótimo e divertido...). Agora vou arrumar minha malinha para ir a Toronto amanhã cedo, estou animada para andar de trem, gosto muito de ir olhando a paisagem, lendo, escrevendo... Se der, escrevo de lá, se não, na volta conto tudo. Até Toronto então!
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
Cenas da cidade
Hoje deixo com vcs algumas imagens soltas dos últimos dias. Vejam as variedades de abóboras que estão aparecendo por aqui. As citrouilles são o must da temporada e estão em toda parte: nos mercados, nos restaurantes, nas varandas das casas. Hoje no restaurante qual era a sopa? De courge... é tudo abóbora... Eles usam para enfeitar a cidade para o dia das bruxas, que parece ser realmente uma festa popular e muito esperada por aqui. Pena que não vou ver, pq é dia 31 e estarei em Toronto. Hoje fui ao cabeireiro e fiquei conversando com o cabeleireiro, o tinturista, a manicure e observando como eles gostam da cidade, como têm orgulho de viver aqui e como isso muda a maneira de ver a cidade. Eu mesma que comecei minha temporada aqui meio desconfiada, sem muito entusiasmo, hoje penso que Montreal é uma cidade boa de se viver, bonita, cosmopolita e sem complicação. Não é muito populosa, mas tem movimento e alegria nas ruas, as pessoas são gentis, a movimentação é fácil, anda-se muito a pé, de bicicleta e de transporte público. As estações vêm na data certa e mudam a fisionomia da cidade e das pessoas, há muitas árvores e parques, a consciência ecológica é alta e bacana de ver. Tenho lido artigos interessantes nos jornais, onde se discute de tudo: do escândalo de corrupção da prefeitura junto às construtoras (sim, aqui tb!!!) à crítica à política de restrição aos sacos plásticos de embalagem; do último sucesso literário ao dramático jogo dos Canadiens; da política linguística à nova exposição do museu de Beaux Arts. A cidade subterrânea tb acabou me conquistando, eu que tinha tantas restrições e ficava doida para subir à tona. É uma sucessão de lojas e de gente andando, das mais variadas expressões, cores, andares, gestos. E tem uma coisa que eu adoro ver, na rua, todos os dias: os ônibus amarelos dos estudantes pequenos. Às vezes tenho a sorte (como hoje) de ver as crianças saindo do ônibus, com as professoras, meio amarradinhos, dando um passeio pela cidade (eles andam pelos museus, pelas ruas, pelas lojas, é uma graça de ver!). Por isso vai tb uma foto dos amarelinhos, que tirei por cima de uma cerca, com a máquina meio pendurada. É uma foto boba, mas adorei esse descanso dos ônibus e adorei a situação em que tirei a foto, pq foi inesperada. Eu estava no parque La Fontaine, tirando as fotos do outono (a bicicleta sobre as folhas é desse espetáculo) e vi o estacionamento da escola. Subi num canteiro, botei a máquina acima da cerca e cliquei. Essa foto me faz pensar em mais uma alegria que a fotografia nos dá: a possibilidade de reviver a aventura e o história que há em cada imagem que escolhemos para reter.
segunda-feira, 26 de outubro de 2009
As cores da cidade
Hoje fui à UQAM atender uma aluna. A menina, Christine, é filha de uma brasileira e fiquei emocionada com a história: a mãe morreu há 15 anos e ela veio fazer meu curso em busca das origens dessa mãe, da terra dessa mãe. Nossa, eu fiquei muito comovida com a história e tive que ficar firme, com a menina sorrindo ali na minha frente, enquanto me contava a história de amor da mãe que, aos 30 anos, conheceu o pai dela e foi embora do Brasil, primeiro para a França e, 2 anos depois, para cá, Montréal. Foi Christine quem me contou que o outono é uma estação em que as pessoas ficam mais reservadas, pq os dias encurtam, tudo fica mais interiorizado. No inverno, me disse ela, os dias são mais longos, pq o sol aparece e a neve torna o brilho do sol mais contínuo e duradouro. Toda essa relação entre as estações e os temperamentos humanos ela me contou enquanto discutíamos qual o melhor caminho de análise de São Bernardo. Mas foi na conversa que descobri que os canadenses adoram o inverno, curtem muito os esportes de montanha e aproveitam demais a estação. Eu, que estou curtindo tanto a beleza das cores do outono, fiquei muito curiosa com esse inverno de neve e sol. Saí da faculdade e fui ao parque La Fontaine, para fotografar as mesmas árvores que havia fotografado logo que cheguei e fiquei encantada com a transformação, a mudança das cores, os tapetes multicoloridos de folhas, caindo das árvores e já prenunciando o inverno. Vejam a foto das árvores verdinhas da época de minha chegada aqui, fim do verão, e a foto das mesmas árvores (ou quase) hoje, amarelas, acobreadas, quase vermelhas. Essa mudanças das estações e a relação disso com o temperamento das pessoas ocupou meus pensamentos hoje - e minhas fotos tb. Fico querendo que passem logo as 3 semanas que faltam, para rever minhas filhas, minha família, meus amigos, mas bem que gostaria de voltar ao Canadá no inverno, para ver como se pode ser feliz com 30 graus abaixo de zero!
domingo, 25 de outubro de 2009
Domingo nas ilhas
Hoje fui com a Ana conhecer as ilhas próximas aqui de Montréal. À primeira, a ilha de Sainte-Hélène, fomos de metrô e, de lá, atravessamos uma ponte e fomos andando até a segunda, a de Notre Dame. Amigas jovens nos obrigam a ter energia e caminhar sem demonstrar cansaço, viva elas! A ilha de Sainte-Hélène é uma graça, um parque maravilhoso, as árvores estão multicoloridas, o dia estava lindo, o rio, majestoso. Na ilha de Notre Dame, com várias pistas de esporte, há uma praia com água do rio Saint Laurent - filtrada!!!! - com entrada paga no verão. Uma pequena gaivota posou para mim, numa ilhota de pedra no meio do rio, e não resisti a fotografá-la. As outras fotos mostram minha cara séria, mas feliz - estava séria pq o sol batia nos meus olhos e eu estava fazendo um esforço para ficar com eles abertos -, as árvores em diferentes cores - reparem especialmente na grande árvore amarela, com as folhas já avermelhando - e o cassino, que foi o pavilhão da França e do Québec na Exposição Universal de 1967, realizada nas ilhas, onde sobrou tb o pavilhão dos Estados Unidos, transformado em biosfera. Fomos ao cassino. Entramos naquele ambiente realmente estranho, as pessoas não se olham muito, muita gente idosa, todo mundo jogando, em volta das mesas ou nas máquinas caça-níqueis, que são, na verdade, caça-cédulas - é preciso jogar no mínimo uma nota de 5 dólares. Foi o que jogamos, cada uma. Ganhei 3 dólares! Saímos dali, de novo caminhando, Ana foi alimentar os ratinhos na universidade e eu fui para o Vieux Montréal, onde almocei bem num italiano ótimo e fiquei por ali andando um pouco, a rua estava cheia, animada, o céu azul e a temperatura por volta de 9 graus, o que já estou achando ameno...
sábado, 24 de outubro de 2009
Sábado de chuva
Hoje andei na rua o dia inteiro, apesar da chuva que não parou de cair. De manhã, fui à estação de trem comprar minha passagem para ir, sábado que vem, a Toronto. É engraçada a estação aqui. Uma porta comum na rua anuncia Gare Centrale. Vc entra e parece a entrada de um shopping, com alguns balcões e pequenas lojas. Há um guichê de venda de passagem, onde conversei com o vendedor de bilhetes, que adorou meu anel de lápis-lazuli e me mostrou o dele, de safiras. Trocamos ideias sobre pedras, enquanto eu comprava o bilhete. Eu perguntei onde se tomava o trem e ele me disse que é embaixo daquilo tudo a estação! Fui andando por ali, para não sair na mesma rua em que havia entrado, e descobri que estava já dentro das tais galerias subterrâneas de Montréal, as tais que, juntas têm uns 30 quilômetros de lojas, restaurantes, um shopping emendando no outro, entremeados por estações de metrô e muitos corredores e escadas. Eu acho que, se eu for contar todo o tempo que eu já rodei para descobrir essas galerias, até eu ir embora já devo ter conhecido os 30 quilômetros! Acabei fazendo umas comprinhas, almocei na rua Sainte-Cathérine, a mais animada daqui, passei em casa e saí de novo para ir ao Museu de Arte Contemporânea. O museu é bonito, estiloso, requintado, embora simples e não muito grande. Havia 3 exposições de artistas daqui mesmo, duas de pintura, mas não sei bem se eram de pintura. Havia telas nas paredes, mas havia tb tanta explicação, tanto texto fora e dentro da telas que fiquei pensando se a abstração não se esgotou tb e agora precisa ficar se explicando, como se procurasse um sentido fora do objeto mesmo, fora do quadro. Mas havia lá uma instalação incrível, de grande vigor e inventividade, com objetos amontoados, espaços inventados, árvores e pedras, tudo pintado com aquelas tintas brilhosas de pintar carros, muros e paredes. Discussão sobre a matéria, sobre a inventividade da arte, sobre o espaço do museu. Saí dali e fui tomar um delicioso chocolate quente na Juliete & Chocolate, onde a Nova me levou, na primeira semana minha aqui, para experimentar o chocolate mais delicioso de Montréal (delicioso mesmo!). Passei no mercado, comprei um queijinho para mais tarde e fiquei observando como é animada a minha rua ao anoitecer de sábado. Os restaurantes se preparam para os jantares, as garçonetes, de vestidinhos curtos, pretos e decotados, no ambiente aquecido, acendem as velas, ajeitam os talheres, enquanto da rua, andando na chuva fria, observo esse movimento mundano e fico com o maior desejo de estar lá. A cidade, mesmo com chuva, está bonita, com as folhas das árvores começando a cair e formar tapetes amarelos. As fotos de hoje mostram então um pouco do meu dia: a moçada se divertindo na rua escorregadia da chuva, no meu caminho de casa para o Museu, a entrada do Museu, as folhas no chão, enquanto as árvores vão do verde ao vermelho, da folhagem ainda bonita aos galhos secos das folhas que o vento e a chuva vão levando...
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
A primeira neve
Estava eu concentrada em meu trabalho, nervosa, chateada, tensa, resolvi ligar para Fernanda e Flávia. Enquanto conversávamos, olhei para a janela e vi a neve cair do céu. Me deu imediatamente uma felicidade tão grande, achei uma cena tão linda, tão surpreendente, foi verdadeiramente um acontecimento que mudou o sentido do meu dia. Saí correndo para fotografar, mas não deu certo, pq minha janela não abre inteira, o pedaço que abre tem uma tela, então a foto sai horrível. Mas consegui filmar 10 segundos da neve caindo e vou colocar aqui, para ver se dá certo e se vcs conseguem ver (não deu certo... acho que o arquivo está muito pesado, fui mexer na máquina e apaguei a imagem, mas ela ficou arquivada no computador, então quando eu voltar mostro pra vcs...). A temperatura caiu imediatamente, está em 2 graus, e a previsão foi alterada, pq não havia neve prevista para hoje, mas agora está lá: pluie mêlée de neige (chuva misturada com neve), só então tive mesmo a certeza de que era neve! E vcs sabem o que acontece? Nada. As pessoas continuam a passar na rua, os carros rodam impavidamente, os esquimós que procuram ajuda no Centro de ajuda aqui em frente esperam atendimento sentados no degrau da loja ao lado, as vitrines antigas permanecem sem brilho... só aqui, dentro de mim, mudou alguma coisa, entrou em mim uma alegria infantil e senti o dia inteiro de outro modo.
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
A volta para Montréal
Eu quase dizia no título: a volta para casa. Mas ainda que Montréal me traga a rotina de volta e, com ela, o trabalho e a preocupação com a próxima aula, ainda não é minha casa esse apartamento do boulevard Saint Laurent, sempre esse santo Lourenço perto de mim. De qq maneira, sair dos hotéis e do carro, deixar a estrada e os passeios turísticos para mergulhar nos compte-rendus dos alunos é de certa forma entrar em casa. As estradas aqui são grandes, bem pavimentadas e os carros andam todos, educadamente, pela direita, ainda que em velocidade. De um lado bosques de pinheiros, de outro, os érables em suas cores amarelas de outono e, no meio, canteiros de uma espécie de paina, que o vento vai espalhando pelo caminho, e às vezes lembra flocos de neve. Tivemos dificuldade em entender que, para parar num posto ou num bar, é sempre preciso sair da estrada para a ela voltar, mas enfim conseguimos comer um horroroso sanduíche e chegamos às 3 da tarde, com fome e disposição de ainda andar por Montréal, para Andrea, minha ótima e querida companheira de viagem, se despedir da cidade. Compramos mais lembrancinhas (eu tb já estou fazendo minhas comprinhas), jantamos num belo italiano no Vieux Montréal e terminamos a noite tomando vinho e conversando muito, tanto que hoje estou acabada, penando aqui com a correção dos trabalhos. Deixo para vcs verem a última foto que ainda fiz da cidade de Québec e as imagens de nós duas cuidando do carrinho. As imagens mais importantes, entretanto, são aquelas que as fotos não podem fixar, porque representam a memória de cenas que não se apagarão da lembrança: a visão surpreendente da imensidão do rio após uma curva da estrada, as casinhas pré-moldadas e livres de muros que me traziam sempre à memória as casas dos três porquinhos, a estradinha que contorna a ilha e vai mostrando uma cidade espalhada em pequenas habitações coloridas, a Route de la Nouvelle France que alterna as cores da natureza com a singeleza da decoração de halloween nas fachadas e jardins, a mocinha de meia furada que anda pelas ruas a passos largos e cabelos cor de rosa... E lá vou eu trabalhar!
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
O rio Saint Laurent
Hoje acordamos no hotel em Les Éboulements e realmente a visão foi espetacular. O hotel fica numa colina e de lá se vê o rio Saint Laurent, imenso, parecendo um mar. Deixando o hotel, tomamos um barcaça que me fez lembrar minha infância e os passeios com gosto de aventura na barcaça de Niterói para o Rio. Fomos à ilha "aux Coudres", rodamos a ilha toda, mas tudo estava fechado, pq acabou a estação de turismo por aqui. Da mesma forma, na cidade de Baie Saint Paul, estava quase tudo fechado, mas conseguimos almoçar bem e ainda dar umn passeio na rua cheia de lojinhas e restaurantes. As cidades aqui são interessantes: aquelas casinhas de desenho de criança, parecendo de papel e lápis de cor, sem muros, sem portões. É a casa, pintadinha de branco, com seu telhadinho verde ou vermelho ou azul, com o quintal ao lado, às vezes uma garagem, e o vizinho logo em seguida. É engraçado para nós, acostumados a tantos muros, portões e grades. Aqui tudo é aberto, mas não se vê ninguém na rua. Não há movimento, não há encontros, nas ruas só há turistas. Tanto na ilha quanto na cidade e em toda a paisagem da estrada de volta para Québec a sensação é a mesma: as casas que estão na nossa memória de criança e que desenhamos na escola, livres nos terrenos verdes e plantados, as pessoas que só aparecem na fumaça das chaminés, nas roupas nos varais que aproveitam o último sol, ou em situações de trabalho... Já em Québec, voltamos ao mesmo hotel e saímos para comprar lembrancinhas, essa tentação de qualquer turista da qual não se escapa. E depois subimos para a cidade alta de funiculaire, aqueles trenzinhos suspensos. Foi tão bela a vista da cidade quanto foi ótimo ter me poupado da subida nas escadas intermináveis... Depois do jantar e do vinho, saímos para caminhar um pouco e a cidade estava deserta, só alguns grupos de turistas já voltando para os hotéis, isso por volta de 10 e meia da noite!!! Descemos de funicular e fomos repassar as fotos do dia e as notícias da terra, que sempre nos deslocam um pouco dessa vida meio irreal da viagem para o mundo real das chuvas, das guerras nos morros ou das notícias familiares.
domingo, 18 de outubro de 2009
Outono no Quebec
Hoje saímos da cidade de Québec e estamos em Les Eboulements. Passamos ainda a manhã em Québec, fomos ao Museu das Civilizações, um belo projeto didático, com a história da América francesa. Saímos dali para pegar a estrada, mas demoramos tanto a achar o caminho que resolvemos parar, almoçar e rever nossos mapas. Eu sou uma nulidade em mapas, não sei ler rotas, direções, não sei dizer se é para virar à esquerda ou à direita, mas Andrea é espertíssima e nosso carro tem GPS, então, depois do almoço, estávamos pegando a estrada certa e a Andrea teve o impulso de desobedecer à vozinha portuguesa do nosso GPS e entrar na direção da île d'Orleans, já que finalmente passávamos pela entrada da ilha, que havíamos procurado por horas. Foi um susto que tomei e acho que, a partir daí, a viagem ganhou outro sabor. Rodamos um pouco pela ilha, sem pressa nenhuma, vimos bairros tipicamente americanos, com casas enormes e lindas, estradas ladeadas por pequenos bosques, e a cidade de Québec do outro lado do rio. Saímos dali bem felizes e tomamos uma pequena estrada, paralela ao caminho do rio, que foi nos levando por paisagens urbanas muito delicadas e diferentes. Casas decoradas para halloween, cheias de fantasminhas, abóboras, uma graça! Olhávamos para o lado e o rio nos acompanhava, em alguns momentos tornava-se largo, em outros se estreitava, as árvores ora se coloriam de outono, amarelas, vermelhas, acobreadas, ora transformavam-se em pinheiros enormes. Foi anoitecendo e chegamos a Les Éboulements, exatamente ao hotel que nos haviam indicado, achamos um quarto, o jantar estava sendo servido e pudemos adivinhar o que nos espera amanhã quando acordarmos: a vista de uma baía deslumbrante.
sábado, 17 de outubro de 2009
A cidade de Québec
Viajamos ontem, Andrea e eu, para uma cidade que não se imagina encontrar na América... Québec é uma cidadezinha europeia, às margens do rio São Lourenço, linda, linda... é difícil descrever o que mais emociona: se o conjunto de construções, se a beleza do rio e da vegetação, se a riqueza da arte inuit presente todo o tempo, nas muitas galerias de arte. Passeamos o dia inteiro subindo e descendo ruas. Fernanda e Flávia não vão acreditar quando souberem a quantidade de degraus que subi e desci hoje (vejam só a foto de Andrea, com uma pequena amostra)! Fomos ao Museu de Beaux Arts, onde vimos uma pequena e expressiva coleção da arte canadense, com direito a duas salas especiais maravilhosas da pintura abstrata que eu já tinha visto e adorado em Otawa. Riopelle e Borduas são os dois maiores, estou maravilhada com a pintura deles. Agora para mim o mais emocionante foi ver as salas da arte inuit, de uma beleza bruta e refinada a um só tempo, esculturas em pedra sabão, osso de baleia e marfim de morsa que me deixaram completamente encantada. E alguma coisa aconteceu no museu, quando estávamos na lojinha, que ainda não sabemos o que foi. Eram 4:45 e um alarme começou a soar. Nós continuamos lá, todo mundo continuou. De repente entrou uma moça mais assustada, funcionária do museu, e disse que tínhamos todos que sair imediatamente. Saímos e, quando descíamos a rua, começamos a ver muitos carros de bombeiros chegando, polícia, uma confusão! Começamos a voltar para ver o que tinha acontecido, mas ficamos com medo de ser uma bomba, imaginem!!! Resolvemos então seguir nosso caminho e tomar uma cerveja canadense das boas para relaxar. E agora estamos nos arrumando para sair e jantar, para amanhã de manhã ver ainda alguma coisa por aqui e seguir viagem um pouco mais, se bem que dá vontade mesmo é de ficar por aqui, no ótimo hotel Priori, com travesseiros de pena de ganso, wifi no quarto e vista deslumbrante para o rio! Ah, tá bom demais, viu, gente?!
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
La Maison du Jazz
Hoje aproveitei bem o dia e a companhia da Andrea. Trabalhei pela manhã, preparando minha aula e, à tarde, saímos para almoçar e andar pela cidade, fotografando. Ponho aí duas fotos do dia, fazia uns 3 graus e o céu azul ensolarado era um grande engano para nós que viemos dos trópicos. Lindo dia! A foto que tem a frase sobre a arte faz a ponte com a noite maravilhosa que passamos na Maison du Jazz, um lugar bem tradicional, onde se ouve o melhor jazz de Montréal. Foi um encantamento mesmo. Boa comida, bom vinho e uma música maravilhosa, com um conjunto de dois negros americanos, um no piano outro na bateria, e um montréalense no baixo. Música da boa, daquela que faz estremecer e entra por dentro da gente. Pensei em muitas coisas da minha vida, muitas lembranças, muitas emoções. E agora vou dormir, pq amanhã acordo muito cedo para terminar de preparar a aula. Depois da aula, vamos passear pela cidade de Québec e a região de Charlevoix, alugamos um carro e só voltamos na terça, mas assim que puder venho aqui escrever. Até!
terça-feira, 13 de outubro de 2009
Sapatos
Vou aproveitar o post da Solange para comentar o que já disse tb hoje num e-mail para a Ignez e tenho comentado bastante com a Beth. Na primeira vez em que tive de tirar minhas botas de caminhada (ah, minhas botas tão confortáveis compradas em Montmartre...) numa casa montrealense fiquei muito passada e me senti muito mal (acho até que quando voltar terei de discutir em várias sessões de análise pq essa história dos sapatos me incomodou tanto). Mas depois, na segunda, terceira vez, me senti... ainda mal! Bem, é verdade que comprei sapatinhos novos (vejam que chiques!), chego na casa das pessoas e vou logo dizendo: vou trocar os sapatos! E já vou me sentando no banquinho da entrada, tirando um e colocando o outro. Mas a verdade é que sempre me acho desajeitada, acho esquisito, e depois tem que tirar o casaco, o cachecol, as luvas, nossa, como é que as pessoas podem viver tanto tempo botando e tirando tanta roupa? E a questão da língua é realmente muito séria. Parece mesmo que somos pessoas diferentes em cada língua que falamos. Eu aqui sorrio muito, pra compensar a falta de palavras. Com o caixa do supermercado, a mocinha do guichê do metrô, o zelador do prédio, o rapaz do audiovisual da faculdade... sou uma simpatia, todos me desejam sempre bonne journé com outro sorriso enorme. Aí já sorrio menos e falo mais, às vezes de cara feia (até que um equilibriozinho seria bom...). Hoje fui a um seminário na UQAM, um francês da semiótica veio falar. Eu fiquei olhando aquela sala, umas 30 pessoas em torno de uma mesa, gente de diferentes países, fiquei imaginando o que cada um estaria ali pensando, por detrás da cara atenta e o ar de interesse. Uma argelina, um italiano, outra brasileira... Todo mundo se sentindo estranho, tenho certeza. Mesmo o francezinho arrogante usa a arrogância pra disfarçar o estranhamento que não admite. Mas tudo isso não deixa de ser desafiador e interessante. Que estranhos somos para nós mesmos? Que estranho habita em nós? Quantos podemos ser? Eu posso ser a que calça as botas confortáveis, velhas e habituais e tb a que aperta os pés no sapatinho envernizado da tradicional loja de sapatos montrealense para fazer figuração com os da terra. E ainda há as havaianas de andar em casa, a bota de salto para sair à noite, o sapato mocassim da viagem... quantos pés para tantos sapatos precisamos ter???
segunda-feira, 12 de outubro de 2009
Feriado aqui também
Hoje é feriado no Canadá, pq é o Dia de Ação de Graças aqui. Recebi um convite gentil, para jantar na casa em que está hospedada a Ana, minha jovem amiguinha brasileira. A dona da casa, Jacqueline, uma inglesa fixada no Canadá, e o marido, John, um americano, foram super gentis e agradáveis. Quando cheguei, já fui fazendo o ritual de trocar os sapatos, tirar o casaco, as luvas, a echarpe (como é que se pode viver a vida inteira assim, botando e tirando tanta roupa???). Fomos para a cozinha e, enquanto a Jacqueline terminava a comida, eu punha a mesa, a Ana fazia a salada, tudo muito simpático e acolhedor. Na mesa havia uma verdadeira mistura de línguas, porque se falava inglês, francês e português... isso sempre me deixa um pouco aflita, pq a falta de fluência na língua atrapalha muito a conversação. A gente se vira, mas é pouco...Hoje então vivi a experiência de uma típica casa canadense em seu dia de ação de graças. Ah, sim: por que aqui o dia é hoje? Porque há uma relação com o fim da colheita, eles agradecem a colheita realizada, que começa a ficar mais escassa quando o inverno (ou mesmo o outono mais frio) tem início.
domingo, 11 de outubro de 2009
A missa de domingo
A missa de domingo às 11 da manhã na catedral de Notre Dame é um acontecimento. Hoje fui assistir e adorei. É toda acompanhada de órgão e um coro que, entre outras coisas, cantou uma Aleluia emocionante! Todo um ritual é respeitado, a entrada do padre é pomposa, com uma espécie de pequena procissão que o precede, levando os paramentos, os livros, os cálices. Muito incenso, canto e as rezas em francês, que eu adorei ouvir. Fiquei ali uma hora, contemplando aquela linda igreja azul, o rico trabalho de estruturas, retábulos e altares em madeira e ouro, a cerimônia, os cantos (a maestrina, vestida de branco, regia o coro do altar, olhando para o alto) e me senti até meio santificada. Havia muita gente, turistas e montrealeses, mas muita concentração e respeito. No final da missa, o padre diz que vai cumprimentar todos os fieis, na saída da igreja, mas que, por causa da gripe H1..., não dará a mão a ninguém, só cumprimentará com olhares e sorrisos. Bom, quebrou um pouco o clima, não é? A foto da igreja, que tirei da rua lateral, mostra a vcs o lindo céu azul que fez hoje, mas vcs não podem imaginar o que é o frio trazido pelo vento gelado! Com todos os agasalhos, é muito frio mesmo, imagino o que me espera ainda. Já na semana que vem há uma previsão de tempestade de neve para sexta-feira, justamente o dia em que eu pretendia viajar para a cidade de Québec... Depois da missa comi um crepe jambon-fromage quase francês, não fosse o sirop d'érable que vem como molho (e que surpreendentemente caiu muito bem), e fui ao Museu Pointe-à-Callière, em frente ao Porto, que conta a história da cidade, com as estruturas seculares em pedra preservadas no subsolo, bem interessante. Depois vim para casa trabalhar, mas com esse frio todo que passei, mais o crepe e a cidra, me deu aquela moleza e acabei dormindo. Agora sim vou trabalhar, pq tenho mais de 30 compte-rendus dos alunos para corrigir. Cá como lá, alunos há. E são todos iguais, lindos e chatos, interessantes e trabalhosos.
sexta-feira, 9 de outubro de 2009
as lanternas e o capitalismo
Ontem fui com a Nova ver uma linda exposição de lanternas chinesas no Jardim Botânico. Fomos à noite e havia uma fila enorme, mas valeu a pena, lindas as lanternas, enormes e coloridas, em meio a lagos, plantas, rochas, formas humanas, dragões, serpentes, uma lindeza! E num outro espaço havia a exposição das abóboras, de todos os tipos e tamanhos, para entrar no clima do Halloween... Foi um bom relaxamento antes de terminar de preparar minha aula de hoje, a quinta, portanto só faltam mais cinco! Cada aula é uma ansiedade enorme, quando acaba vem aquele alívio já se misturando com a ansiedade da próxima. Agora à noite fui ver o último filme do Michael Moore, Capitalismo uma história de amor. Gostei muito. É uma crítica violenta ao capitalismo americano, com histórias incríveis da crise, sempre as histórias particulares é que nos fazem ver o tamanho das grandes crises... A imigrante que perdeu o marido e ficou sem o seguro, a típica dona de casa americana que perdeu a casa em que a família morava há 40 anos, o chefe de família que tem que abandonar a pequena fazenda e diz que compreende por que alguns jogam bombas e cometem atentados... assustador. E há também a igreja, o Obama, os operários que resistem e chegam a gritar que o povo unido jamais será vencido (e ganham mesmo!). Mas o filme é bem humorado, eu acho super engraçado quando o próprio Michael Moore começa a falar com os seguranças, a polícia, todos aqueles que vêm para prendê-lo ou mandá-lo embora e ele começa a explicar a crise para essas pessoas, começa a dizer que veio ali só para prender o dono do banco ou que só vai colocar uma faixa com aquelas frases de local do crime, não se aproxime. Essas cenas são engraçadas, ele falando e os policiais e seguranças fingindo estar impassíveis. Pode ser que o Moore seja uma dessas pernas necessárias à sobrevivência mesmo do capitalismo, a perna frágil do artista que faz a crítica consentida, mas, de qualquer maneira, vê-se que o corpo não anda lá assim tão firme e que a perna crítica mostra essa fragilidade, afinal de contas. Saí do cinema e, como estava no quartier latin, fiquei olhando os bares cheios, as filas na entrada de alguns restaurantes, aquela animação. Ainda não tive coragem de entrar num lugar desses, à noite, sozinha, e ficar observando o movimento. E confesso que voltei para casa meio tristonha nesse final de noite de sexta-feira...
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
Ser estrangeiro
Hoje fui comprar uns óculos novos. Fiquei 1 hora e meia na ótica, experimentando, olhando, escolhendo e pude compreender algumas coisas no modo que os montrealenses têm de se relacionar com as pessoas e, sobretudo, pude entender muitos dos meus incômodos e inquietações. A mocinha começou a me mostrar os óculos e, de repente, sumiu. Lá fiquei eu, tira bota óculos, e ela nada. De repente ela chegou perto e me perguntou se eu precisava de ajuda, eu disse que não, que estava escolhendo. Depois de ter separado uns 8 pares de óculos, então sentei na mesa com ela e comecei a colocar cada um e ela, uma jovem muito decidida e firme, me dizia este sim, este não, este fecha seu semblante, este é mais moderno etc. Ao mesmo tempo, me contava casos do namorado (que eu absolutamente não entendi, acho que ele perdeu uns óculos Armani, mas fiz que entendi e lamentei profundamente). Foi quando me lembrei de outras lojas em que entrei e em que a vendedora tb me deixou sozinha olhando um produto, exatamente quando eu achava que ela estava no meio do atendimento à minha ilustre pessoa, e eu achei aquilo uma falta de gentileza, saí da loja danada da vida (numa dessas lojas cheguei a ouvir a pobre vendedora falando alto enquanto eu saía, madame, escolheu, madame???). Ainda na ótica, veio o gerente para ver se podia fazer um desconto, não podia, dividir tb não podia, pq ele precisava de "garantia" e eu não era daqui. Depois então de eu dizer que tudo bem, eu pagaria mesmo à vista, ele me perguntou se eu sabia que teria de deixar 25% do pagamento naquele momento e o resto pagaria quando viesse buscar os óculos. E ele faz a pergunta fatídica: a senhora está pronta para isso? Eu me senti ofendidíssima e respondi, meio arrogantemente, exibindo meu cartão platina ou sei lá o quê: monsieur, vou pagar à vista no cartão de crédito, não posso? Ele pediu mil desculpas, só dizia "claro, madame, bien sûr, madame" e eu, ainda ofendida, comecei a me dar conta de que ele estava apenas sendo gentil, me avisando do quanto eu teria que pagar, não estava desconfiando que eu não tinha dinheiro, não estava me achando subdesenvolvida, pobre, nem troncha. Eu é que estava me sentindo assim! E esse sentimento interno vem para fora nas reações, na maneira como vc olha e encara o outro... Tudo isso estou contando aqui, digamos, abrindo um pouco mais a minha alma, porque acho que é alguma coisa que muitos de nós, brasileiros, devemos sentir no exterior, um sentimento de inferioridade pátrio, uma sensação de que estamos sempre sob desconfiança. Daí vem tb a minha dificuldade de articular bem o francês, de falar sem bloqueios. Fui percebendo ali, na ótica, vivendo uma situação banal, que é preciso inverter um pouco esse movimento de dentro para fora e deixar um pouco do fora entrar dentro da gente. É verdade que alguns textos que andei lendo para entender a antropofagia, de que falo na próxima sexta, me ajudaram a pensar assim. E é pensando assim que observo os imigrantes, aqueles que vêm de longe, sem nada a não ser a expectativa de recomeçar, de criar uma vida melhor, em geral, para os filhos. O motorista de táxi me contou que veio do Líbano com um doutorado em engenharia e tudo o que conquistou foi um táxi. E quando eu lhe perguntei se gostaria de voltar para o Líbano, onde ele dizia não ter condições de viver quando partiu de lá, ele me disse: hoje à noite, madame, não esperaria nem amanhecer o dia, se pudesse. Mas completou: mas aqui, onde já estou há 15 anos, meus filhos têm uma vida melhor, estão estudando, vão conseguir alguma coisa. E é por isso que hoje as duas fotos falam dessa cidade de um modo diferente, menos turístico: a fila das crianças entrando no ônibus escolar mostra justamente essa esperança que vi nos rostos dos pais e mães árabes, muçulmanos, africanos, haitianos, que acompanhavam seus filhos e os olhavam orgulhosos, a caminho da escola. A outra foto tirei na rue Sainte Catherine hoje depois da ida à ótica e mostra a torre da igreja antiga e o prédio moderníssimo, a loja feia, as árvores de rua e o edifício bonito, tudo aquilo que, misturado, faz de Montréal essa cidade charmosa, interessante, difícil de entender, divertida, chata, linda e inquietante.
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Um dia em Otawa
Tomei o ônibus das 8 da manhã para Otawa. Aqui é diferente: vc compra a passagem e não tem lugar nem hora marcados. Vc chega, entra na fila (eles adoram uma fila! Mas a fila é um sinal de respeito, todo mundo sabe que quem chegou primeiro entra primeiro, merece entrar primeiro, o espírito é esse) e escolhe seu lugar. Peguei uma janelinha, toda satisfeita, mas logo ganhei companhia: uma provável professora, que não parou de ler textos, escrever no laptop, marcar textos, escrever no laptop, me deu uma angústia ver aquilo e imaginar que tb eu, quando viajo no Brasil a trabalho, faço isso - é angustiante. A minha companheira de ônibus saltou, como a grande maioria dos passageiros, na Universidade de Otawa, que é enorme e bem bonita. Na rodoviária, tomei um taxi e fui direto para a National Gallery. Fiquei encantada. Primeiro com a arquitetura do prédio, que vcs podem ver na foto em que aparece a aranha da Louise Bourgeois, que virou símbolo do museu. A estrutura é em aço e vidro, pé direito altíssimo, muito bem dividido, fácil de caminhar por ele. O acervo da arte canadense foi o que mais me interessou, pq não conhecia nada. Adorei. As pinturas vão dos retratos acadêmicos do final do século XIX a abstrações de grande vigor, já nos anos 60-70. No meio disso, muita paisagem, muita pintura da neve, das montanhas, das cidades, dos índios. É como se eles realmente buscassem na arte uma identidade e reconhecessem, nos motivos das pinturas, a força da terra - da natureza e dos habitantes originais - sobre o trabalho artístico. Toda essa força aparece depois, numa pintura já mais internacionalizada, mas muito expressiva e vigorosa. Parei para almoçar, no café do próprio museu, com a vista deslumbrante do Parlamento de um lado e o rio Otawa, que banha a cidade, de outro. A foto metonímica mostra que eu estava lá, tomando meu vinho e aguardando o salmão. Depois, fui ver a coleção de arte europeia, mas me encantei mesmo foi com a arte inuit, uma expressão de grande força ingênua, que causa forte emoção. Fiquei mais de 3 horas no museu - e fiz muito bem. Os museus me acolhem sempre com grande generosidade, ali fico entregue ao silêncio e à contemplação. Do museu fui ao Parlamento, um conjunto de prédios históricos imponente e impressionante, cheguei a marcar uma visita guiada, mas depois decidi ficar andando pela cidade, pq senão ia conhecer só os interiores de Otawa. Vcs podem ver que a cidade é muito verde e que as árvores estão já com muitas cores, uma lindeza! Nessa caminhada apareceu uma japonesinha e nos fotografamos, eu a ela, ela a mim. Apesar de ser a capital e de ter mais ou menos 1 milhão de habitantes, a cidade tem um trânsito e um movimento que não chegam nem perto de Rio e São Paulo. Muita gente nos pontos de ônibus por volta das 5 da tarde, algum movimento maior de carros, mas trânsito bom, flui e não tem aquela barulheira de buzina e freadas. Por volta das 5 e meia resolvi entrar num bistrô simpático, comi um foie gras e tomei um verre de champagne, só para sentir que eu mereço estar fazendo tantas coisas interessantes. Para não chegar na rodoviária muito cedo, entrei num shopping e descobri... uma Séphora!!! Ah, que saudade de Paris! Comprei um perfuminho e um batom, um brilhinho para minhas meninas, para não perder o hábito, tomei um taxi e fui pegar o ônibus, dessa vez na companhia de uma gorda e bela negra do Congo, que estava viajando para Washington, via Montréal e Nova York! E eu pensando que não aguento mais de 2 horas de ônibus! O capítulo dos imigrantes aqui é uma história à parte, que depois vou contando aos poucos. Cheguei de volta em casa por volta das 10 da noite, cansada, mas contente com o passeio.
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